13 junho 2012

Resenha do espetáculo, por Pedro Henrique Sinfrônio de Souza Barbosa (Uni-BH)

Léo Quintão e Neise Neves em Atrás dos olhos das meninas sérias

A peça teatral Atrás dos olhos das meninas sérias é um drama adaptado do romance Falar, escrito por Edmundo Novaes Gomes. Encenado por Léo Quintão e Neise Neves, o espetáculo retrata o dilema sofrido por Ana, uma mulher atormentada pelos fantasmas de seu casamento fracassado, em que o amor não correspondido e a traição são os propulsores dos conflitos do casal.

Ana e o marido são almas que se confundem em suas existências, a ponto de se assemelharem drasticamente um ao outro nas atitudes encenadas. O figurino idêntico e os atores revezando entre ambos os papéis (Ana/marido) confundem o público quanto à identidade de quem se trata em cena, o que reforça a ideia de uma simbiose patológica entre os cônjuges.

A angústia avassaladora pela qual Ana é atacada é sustentada pelas frustrações do casamento. O embate que sofre é de natureza da alma. Opõem-se pulsões de morte (Thanatos, segundo Freud), cujo objetivo é atingir o repouso e estado de paz, através da destruição, da negação, da ideia do não existir, expurgando-a da culpa da traição, do sentimento de amor não correspondido, do prazer sexual, das construções morais, da existência de um Deus. Em contrapartida, as pulsões de vida (o que Freud chama de Eros), em que por mais que as experiências tenham sido dolorosas, e a realidade permeada por eventos cruéis, há sempre a esperança, o desejo de construir, relacionar-se, o ideal de um final feliz, no caso, sucesso no amor.

O cenário é extremamente simplificado, sugere a cama do casal – local das desavenças, dos desencontros e do medo ou negação do reencontro. Devido à ausência de muitos recursos cenográficos, a peça possibilita ao espectador transportar a encenação para os mais diversos cenários possíveis de se imaginar, com a proximidade da plateia, um desses lugares, pode ser até mesmo a própria vida real.

A unilateralidade do discurso de Ana é extremamente hiperbólica, confirmando sua profunda intenção de anular o marido, culminando no plano de matá-lo de forma sádica. Porém, quanto maior seu esforço de romper-se do relacionamento, mais evidente fica a presença e influência do cônjuge sobre sua vida. Para ela, ele é o total responsável pelo insucesso do casamento e sua não realização no amor.

Apesar de o espetáculo ser encenado por apenas dois atores, o público pode perceber a presença de Marcinha, uma professora estereotipada inicialmente como pudica, e Gurgel, o amante de Ana, que comete suicídio e incita-a a fazer o mesmo. Para tal, os contracenantes se utilizam de pequenas modificações na entonação da voz e no figurino: uso de uma faixa na cabeça e uma espécie de colar cervical (no caso do marido representando Gurgel) e o uso de um par de óculos (Ana representando Marcinha).

Atrás dos olhos das meninas sérias, em princípio, representa um título desconexo com o que se vê. Mas, no decorrer da peça, enquanto Ana literalmente tece no palco a teia de seus pensamentos mais obscuros, cuja intenção seria falá-los como realmente são a quem quer que seja. Entende-se que, por detrás do comportamento ordinário de uma mulher comum no meio social, ou seja, à frente dos olhos, existe um desejo pungente de liberar-se das amarras do egocentrismo masculino, uma espécie de superego da mulher. Porém, este é um fato que infelizmente – por questões diversas do mundo machista subjugador da existência feminina – só se realiza por detrás dos olhos, na mente, de Ana, uma menina séria.


Pedro Henrique Sinfrônio de Souza Barbosa é graduando em História no Uni-BH. Texto apresentado à disciplina Leitura e Produção de Texto da Prof. Maria Aparecida Teodoro.

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