14 abril 2015

sem{pauta} - tecendo entrelinhas

Desde a estreia do espetáculo, a Cia Pierrot Lunar realiza o projeto Pierrot Lunar + Universidade, quando desenvolve parceria com professores universitários, com intuito de apresentar aos alunos, a preço promocional, os espetáculos da Cia, em uma visita à sede Espaço Aberto Pierrot Lunar. Após às apresentações acontece um debate ou é agendada uma visita à universidade. 

Abaixo, veja o texto que foi publicado por Milena Breder para o sem{pauta} blog da Redação da Cria UFMG. Ela é aluna de Juarez Guimarães Dias, diretor do espetáculo.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Meninas Sérias Também Sentem


Foto: Guto Muniz / www.gutomuniz.com.br
Fazia tempo que eu não ia ao teatro. Queria ter alguma desculpa consistente para isso, mas a verdade é que o fato existia desacompanhado, sem álibi concreto que não fosse a-correria-da-faculdade ou a-Pampulha-é-longe-de-tudo, alguns dos meus clichês de estimação. Mas na última terça-feira, quase por acaso, superei o cansaço perene e me vi a pouco metros do palco para assistir a uma peça que era tudo, menos clichê.

A oportunidade viera na véspera: a convite do professor Juarez Guimarães Dias (que também é o professor orientador da Cria), alguns colegas organizavam via WhatsApp a ida a uma sessão de “Atrás dos Olhos das Meninas Sérias”, peça dirigida por ele e que está em cartaz durante esta semana. Eu, que chegaria em Belo Horizonte na madrugada de terça, achei o programa interessante e cuidei de anotar o compromisso na agenda.

O Espaço Aberto Pierrot Lunar é mantido pela companhia de mesmo nome, fundada em 1993. Assim que chegamos ao local, pude perceber o caráter alternativo do ambiente. No hall, perto da mesa que servia de bilheteria, sofás e poltronas compunham o ambiente colorido e eram tomados por jovens ansiosos pelo começo da apresentação. Minha sinestesia começou ali mesmo, com o cheiro de incenso, a música tocando ao fundo e a parede de frente para os sofás pintada de um vermelho bem familiar.

Pisquei os olhos e a sala se encheu de uma vez. Logo estávamos em fila diante da cortina fechada. Ingressos em mãos, eu e meus amigos entramos no segundo ambiente, que parecia um galpão escuro. A estrutura do palco era diferente de tudo que eu já tinha visto. Uma mistura de tatame e colchão bordado com palavras delimitava o espaço entre os atores e o público, que se assentava em almofadas e arquibancadas dispostas em todos os lados do quadrado no chão. Contudo, ao longo da peça ficou claro que a separação simbólica seria casualmente desrespeitada, uma vez que todos nós nos vimos dentro da história à medida em que a interação com os personagens crescia.

Neise Neves e Léo Quintão contracenam como o casal da peça. Foto: Guto Muniz / www.gutomuniz.com.br
“Atrás dos Olhos das Meninas Sérias” é uma adaptação do romance “Falar”, de Edmundo Novaes Gomes. A peça estreou em 2007 e completa cem apresentações este ano com uma série de sessões que vai de 6 a 12 de abril. Com texto envolvente e interpretação visceral, somos atraídos para o desequilíbrio de Ana, a protagonista, que divide conosco suas memórias de amor e ódio. O ritmo é bem marcado pelas mudanças na iluminação e na trilha sonora, acompanhadas pelo minimalismo com que o espetáculo se desenrola. O figurino simples e os poquíssimos objetos em cena se opõem à complexidade de sentimentos que a trama causa em mim: ora estranheza, ora empatia; ora tristeza, ora satisfação. E uma confusão de sentidos que o teatro experimental nos permite, de fato, experimentar, ainda que isso cause certo desconforto.

Não vou quebrar o acordo com o professor Juarez e entregar detalhes do enredo, mas acho que posso dizer que “Atrás dos Olhos das Meninas Sérias” é um descortinar libertador do universo feminino. A peça atravessa tabus e nos atira, de forma crua, os fragmentos da mulher que resolveu falar sobre si e, de certa forma, sobre todas nós. A angústia de Ana, interpretada pela excelente Neise Neves, não se limita aos sentimentos reprimidos em relação ao ex-marido. Há, sim, o desejo de vingança, mas as idas e vindas da narrativa explicitam a vontade de gritar as dores silenciadas pelo disfarce de mulher correta.

O diretor Juarez Guimarães Dias (à esquerda) e os atores Neise Neves e Léo Quintão. Foto: Facebook/Divulgação
A peça termina e redime a nós duas: a mim, pelo cansaço, e à Ana, pelo sofrimento. Tenho a sensação de que entendi muito da loucura manifestada. Ao som dos aplausos da plateia, os atores, eufóricos, fazem uma reverência. Penso que é um jeito curioso de encerrar uma terça-feira. Segue-se um pequeno debate acerca da obra, que participou do FITBH em 2008 e levou os prêmios de Melhor Atriz e Melhor Ator Coadjuvante no II Festival Nacional de Teatro de Teresina (PI). Algumas pessoas deixam a arena em direção ao hall, onde estão sendo vendidas bebidas, e retornam para participar da discussão. Permaneço calada e deixo que meus olhos de menina séria se acostumem com as luzes acesas.

O espetáculo continua em cartaz até domingo, com apresentações em todos os dias da semana, sempre às 20h. Os ingressos custam 30 reais (inteira) e 15 reais (meia) e podem ser adquiridos no local, onde uma moça muito simpática com o mesmo nome que eu ficará feliz em lhe atender a partir das 19h. É bom chegar cedo para garantir um dos 80 lugares. O Espaço Aberto Pierrot Lunar fica na Rua Ipiranga, número 137, bairro Floresta.

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